“Se
não fossem as minhas malas cheias de memórias ou aquela história que faz mais
de um ano, não fossem os danos não seria eu.”
(Clarice Falcão)
Lúcia?
Luiza? Luana?
— Não,
não, é Lu, de Luciana! — eu me ouvi explicando isso a minha vida inteirinha.
Por algum
motivo desconhecido, meu nome de batismo sempre parecia ser a última opção para
quem tentava adivinhá-lo a partir do apelido. Eu não tinha problemas com
Luciana – apesar de ter passado por uma fase em que queria mudar de nome a todo
custo, pra Tatiana ou algo do tipo –, mas desde a infância fui mal-acostumada
pela família com versões mais curtas e carinhosas do meu nome. Estranhava
quando algum desavisado resolvia me chamar pelo primeiro nome. “Será que eu fiz
algo errado? Ele tá com raiva de mim?”, eram sempre meus primeiros pensamentos.
Eu quase
fui Mariana. Era a escolha da mãe. Mas meus pais são de uma geração em que o
homem sempre tem a palavra final, então ficou Luciana mesmo.
— É por
causa de uma música muito bonita... — justificava o pai.
— É,
muito bonita mesmo. Ele só esqueceu de mencionar que teu nome também é o nome
de uma namoradinha da adolescência dele — implicava a mãe.
Será que
ao escolher o nome de um filho os pais levam em consideração o que está em
jogo? Um nome nunca é só um nome. Vem carregado de experiências passadas e de
expectativas futuras. Um nome pode ser homenagem, pode ser sina e até
esperança. Sabe aquilo de “eu nunca conheci um João que fosse pessoa ruim” ou
“toda Maria é tranquila”? Pois é.
Um nome também
pode carregar um peso grande, e a pessoa que o recebe acaba levando um peso
maior ainda. Uma amiga minha quase foi batizada como Ugulina. Eu não gosto nem
de pensar o quanto ela teria sofrido com um nome desses.
Mas e se
a vontade da minha mãe tivesse prevalecido? E se hoje eu fosse Mariana? Mari.
Seria uma pessoa diferente? Teria outra vida? Esses são apenas alguns dos “e
se...?” que habitam minha mente até hoje.
Considerando
os nomes dos meus pais, tudo poderia ser bem pior. Os dois têm nome de santo.
Ele, Francisco. Ela, Raimunda. Dois belos exemplos de como as vidas dos pais
influenciam os nomes dos filhos. Os dois resultados de promessas — mania das
famílias do interior.
Meu vô Gumercindo
viu minha vó Clarinda passar por uma gravidez de risco. Naquela época, naquele
lugar, não era incomum as mulheres morrerem no parto. E foi aí que São Raimundo
entrou na história. Se Clarinda sobrevivesse, a criança ia levar o nome do
santo. Clarinda viveu até os 85, e Raimunda, há 70 anos carrega o fardo de seu
nome.
— Meu pai
fez a promessa e quem paga sou eu — sempre ouvi minha mãe repetir.
Já
Francisco foi um milagre. Nasceu de um útero ruim. Foi o nono filho do vô Cosme
e da vó Francisca e o primeiro a continuar com o coração batendo após o parto.
Há 64 anos leva consigo o nome do santo de quem se tornou devoto e, todos os
anos, separa um dia para ir a Canindé acender uma vela para o xará.
Uma mãe
que odeia o próprio nome e um pai que parece até se orgulhar do seu. Filha de
Francisco. Filha de Raimunda. É, Luciana está ótimo.
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